A palavra "ecologia" deriva da palavra grega "Oikos", que significa "casa" ou "lugar onde vive". Foi usada pela primeira vez por Ernest Haeckel em 1869 como "o estudo científico das interações entre os organismos e o seu ambiente".
~ Trecho de uma apostila sobre ecologia encontrada no meio de uma reprografia na Av. Nhamundá, Centro da cidade de Manaus.
Duas aves sobrevoavam o céu em busca de uma cidade baixa onde pudessem pousar sem ser queimados pelo sol, onde pudessem se esconder nas copas dos prédios para não serem vistas.
E foram até a minha cidade, a fim de buscar sua sombra.
Aqui encontraram pequenas casas, sobrados, e uma feira municipal com o telhado para lá de cagado por pombos, urubus e rolas.
No entanto, as duas aves, como aves de rapina que eram, zarparam por dentro da feira, fazendo um estrago, derrubando frascos de essências das prateleiras, cortando couves amostra com suas asas e fisgando peixe das mãos dos feirantes despercebidos.
“Aqui ainda não dá para ficar" disse o Nongo para para a Nárida, ao engolir as últimas escamas do seu filado peixe.
E Nárida concordou, alçando voos para mais baixo ainda na cidade.
Agora eles estavam numa pequena vila, onde os adultos ainda apontavam para aviões e as crianças brincavam de esconde-esconde com o couro de pacas. Essa vila, mais afastada, também gostava de caçar aves de rapina para depenar e cozinhar deliciosos caldos com seus ossos.
Nárida pousou bem na fogueira onde cozinhavam pacas, e roubou-lhes a espécime de jantar. Revoltados, as mulheres e crianças da vila atiravam em Nárida com seus estilingues, enquanto os homens riam-se e puxavam outra carne para assar na lareira.
Ao voltar com o pedaço de paca, Nongo a olhou respeitosamente.
"Trouxe para nós, amor? Pois coma, que aqui ainda não dá para ficar".
E alçaram voo para ainda mais longe, nos confins do Rio Negro, onde margens não havia se não a mil remos de distância entre uma borda e outra. Naquela vastidão, que oceano parecia, Nárida e Nongo acharam um tronco flutuando ao meio do rio e resolveram lá pousar.
Estavam cansados da viagem, e ainda não conseguiam se esconder do sol. Mas aquele tronco serviria para ciscar as asas e pensar no próximo destino até o dia seguinte.
Ao penetrar com suas garras no tronco, Nongo sentiu estremecer as bases. Nárida chegava aos poucos, voando baixinho até parar... quando Nongo saltou às asas e o tronco afundou para debaixo do rio de repente. Ao ressurgir, Nárida e Nongo perceberam tratar-se de uma gigantesca Anaconda, prestes a engoli-los se não voassem o mais alto possível para longe dali.
Seus dentes assemelhavam-se aos dentes de um dragão, mas sua pele era espessa e dura como uma tora. A Anaconda, chamada Kaabogi, alcançou a asa esquerda de Nádira e a puxou com os dentes para baixo do rio, afogando-a, como num bote violento da luta entre o céu e as águas.
Nongo sobrevoava Kaabogi, e quando viu sua amada sendo levada para as profundezas do rio, desceu à velocidade de um relâmpago para salvar Nárida, penetrando nas águas onde Kaabogi a arrastava para o fundo. Lá, debaixo jÁ d’Água, achou Nárida debatendo-se no nariz de Kaabogi, fazendo-o espirrar para não fechar completamente a boca e acabar mastigando suas preciosas penas.
Nongo então, num rasante mergulho, corta os dentes de Kaabogi com suas asas enquanto Nárida dá seu nado para a liberdade, rumo à superfície.
Ambos saem voando, enquanto Kaabogi sucumbe para o fundo do rio, procurando seu dente cortado pelas asas de Nongo.
Nárida olha para sua asa perfurada, a remonta com folhas de bananeira e fala:
"Aqui... ainda não podemos ficar."
Nongo concorda. Voaram então à copa da mais alta samaúma, para poderem passar a noite.
Nongo retoma a sua forma humana. Nárida já estava com o braço sangrando sem parar, até conseguir estancar o ferimento com mais folhas e cascas de banana.
Ambos dormem, abraçados. A maldição ainda não cessou.
Nárida e Nongo viajam pelas cidades da amazônia em busca desse lugar sem luz desde que foram amaldiçoados por mexer no ninho de uma ave de rapina. Essa ave, na verdade, era um Anhangá.
Para conseguirem voltar a serem humanos de dia, ambos devem ficar um ano sem ver a luz do sol enquanto ele estiver nascido.
Hoje, pouco antes da aurora, Nongo percebeu que a pele de Nárida estava já cicatrizando, e a magia negra persistira tanto em seus efeitos bons quanto ruins.
Nongo abraçou sua amada e disse
"Nárida, minha amada viajante, aqui podemos ficar todas as noites e de dia sair para caçar. Não precisamos sobrevoar os rios de cobras gigantes, nem entrar nas vilas e cidades dos homens que ameaçam nos depenar. Podemos encontrar a felicidade vivendo aqui, na copa dessa árvore, e viajando como pássaros, a longínquas distâncias, como um casal de humanos que também verdadeiramente somos."
Nárida, já muito bem recuperada olhou para seu amor, e respondeu
"Nongo, bem sabes tu que saudades de casa eu sinto, bem como da minha forma humana, da luz do sol sobre a minha pele nos dias de verão e o aconchego da minha cama rodeada por vozes queridas, tão amigas, que me viam como humana e não como uma ameaça aos seus gatos e cães. Somos aves de rapina sim, mas também somos humanos. Sentimos falta de humanos, falta de olhos humanos, falta do calor humano. Ainda que viajássemos todo o mundo, o que nos torna feliz não é a caça, nem o voo, mas a companhia dos nossos. Viver nessa copa de árvore? E viajar durante o dia como ave? Oh, querido, não seja tu bobo. Sabemos que essa vida nos arrebata tantos dias mais cedo quanto os dias que passamos como aves... viveremos, mas seremos felizes?"
"Nárida, minha bem aventurada, os homens não entendem os encantos da floresta, e eu não entendo tuas angústias. Sei bem que como aves não seremos bem recebidos em qualquer lugar, mas à noite podemos retornar, como pessoas, de onde quer que estejamos e rememorar as belas lembranças vividas observando as cidades e as gentes de longe. Não cabe a mim te falar da humana que eras, porque ainda és para mim a mais bela de todas as mulheres já vistas pelos meus olhos de homem e de águia. Venha, sente-se neste pedaço de tronco que sustenta nossa vida até o despontar do sol no horizonte, abrace-me e vamos dormir."
Nárida cerrou os pequenos olhos e pôs-se a dormir aos braços de Nongo.
Quando amanheceu, ambos continuaram humanos. E caíram da árvore, sem conseguir voar para salvarem-se.
Antes de quedarem ao chão, porém, foram aparados por um tatu bola que montava seu colchão para dormir logo abaixo da terra, ajuntando folhas frescas e macias na entrada de sua toca.
Nongo olhou para o rosto de sua mulher, ainda adormecida, e pela primeira vez viu em muito tempo sua pele jovem resplandecida da luz do sol, que passava por um filete de folhas roídas acima de suas cabeças… A maldição havia finalmente acabado.
Ambos conseguiram parar de viajar para esconderem-se de seus algozes, e repousaram à sombra de um amor profundo. O amor que mais torna os homens humanos, e a as mulheres, mulheres.
~ Fim
Corri para terminar esse. Feriado de carnaval. Envolve fazer nada e à noite fazer menos ainda. Mas cá estamos. Até a próxima semana e boas festas!