“Homens sem ambição! Escuteis o que vos digo: se nunca vireis a agir, nada tem a pleitear. E se nada tem a pleitear, nunca vireis a agir. Por que então incomodam meus súditos com falsas ameaças e sentimentos sórdidos, ao sul de um porto qualquer, nesse estado vil e insignificante?”
Num pacato dia um rei resolveu, depois de 500 anos de nação, importar-se com um grupo de piratas que chegara ao sul do território.
Já há algum tempo eles pleiteavam ouro, navios e mulheres.
Gritavam aos quatro cantos do porto que era tudo aquilo que queriam…
A notícia logo foi se espalhando, como uma cólera, pelas estradas de terra firme, até chegar ao norte. Lá, adentrou nos aposentos do palácio, como fino vento que range entre as arestas de janelas e portões mal fechados, e assim finalmente penetrando nos ouvidos do rei.
Quando este ficara sabendo de tamanho ultraje, sentiu-se profundamente incomodado.
Os piratas eram poucos. Não estavam em número suficiente para armar um golpe ou incitar uma revolução.
Porém, o que realmente incomodava o monarca… não era o objeto dos seus desejos - sejam eles o ouro, os navios ou as mulheres - mas sim o fato de que nada faziam para conquistá-los.
Um grandioso homem como ele, senhor de um trono que carregava meio século de história, era incapaz de conceber a inércia, o não-lutar por tudo aquilo que se mais deseja.
Nenhum levante,
nenhum saque aos mercados locais,
nenhum navio sequestrado,
Os piratas simplesmente queriam…
porque queriam.
E mesmo querendo, nada mais faziam.
O rei então viajou para encontrar tais almas sublevadas.
Encontravam-se reunidos no cais, bebendo rum, cantando e dançando, enquanto jogavam cartas para o mar…
Quando o monarca os avistou, chegando até eles numa bela carruagem, acompanhada de um exército na frente e outro exército atrás, proferiu:
“Homens sem ambição! Escuteis o que vos digo: se nunca vireis a agir, nada tem a pleitear. E se nada tem a pleitear, nunca vireis a agir. Por que então incomodam meus súditos com falsas ameaças e sentimentos sórdidos, ao sul de um porto qualquer, nesse estado vil e insignificante?”
- Brandou alto o monarca, para que todos os costeiros ouvissem.
Então as risadas no cais calaram-se por um momento, e aqueles piratas se entreolharam.
Ainda sorrindo, o silêncio continuara.
Foi quando o rei, num súbito lampejo de razão, arregalou seus olhos e se viu petrificado diante da própria ingenuidade.
Sem nenhum levante.
Nenhum saque aos mercados locais.
Nenhum navio sequestrado.
Os piratas conseguiram… por conseguir.
O rei de uma grande nação veio até eles…
mas eles mesmos não estavam mais lá.
Os piratas passaram semanas e semanas viajando para o norte, sem maiores mordomias do que dois cavalos e pés descalços, espalhando a própria notícia de que estavam ainda no porto ao sul.
Haviam pagado, com os restos de suas esmolas, miseráveis ainda mais vis do que aqueles prazeres que esmolas de pirata poderiam comprar. A estes miseráveis foi incumbida a estúpida tarefa de ficar no lugar dos piratas, imitando seus boêmios hábitos, cantando e dançando exatamente como piratas, sendo leais impostores… por quanto o grande dia chegasse.
Sem nada a pleitear, invadiram o palácio.
Vazio.
Sequestraram as mulheres,
saquearam o ouro,
roubaram os navios.
E foram embora, deixando uma vasta nação sem confiar em seu próprio governante. A instabilidade tomou conta da metrópole e os súditos passaram a se revoltar contra as leis do Império.
O escândalo do rei que havia abandonado o trono se espalhou até as cidades vizinhas, submergindo-as rapidamente no mais profundo caos. Não havia esperança de que o monarca retornasse, e o receio dele já estar morto instaurava medo em toda a população.
Uma dinastia inteira, que nunca descera de seu palácio, havia por agora um rei que apreciava boatos e ia até eles reafirmar-se…
Sem a menor ideia do que realmente fazer ao chegar lá.
Mas em tais boatos, somente porque os vis gritavam, acreditaram os súditos.
Porque acreditavam, confiou nos súditos o monarca.
Foram pagos, os miseráveis.
E nada fizeram, mas levaram tudo,
os piratas.
.·.
Texto originalmente escrito em 18/06/2019.