Hoje mais do que nunca turistar se tornou um bucólico tipo de escapismo, mais caro do que usar drogas e mais barato do que comprar o tempo de alguns bons amigos para conversar.
Mas quando a viagem é rápida e barata, algumas coisas ficam fora do lugar tanto na ida quanto na volta. Subir a serra de Tepequém, por exemplo, foi pra mim uma das experiências mais esclarecedoras e ao mesmo tempo assombrosas da minha vida.
O porquê de assim o ser é o que eu vou tentar explicar agora.
Resumindo um contexto histórico talvez não tão interessante assim pros leitores, a antiga área de garimpo do século XX ao norte do estado de Roraima, cuja serra resultante de duas placas tectônicas distintas produz um horizonte de montanhas baixas que mais parecem pirâmides falciformes, é o que é hoje Tepequém.
Quando se descobriu que o garimpo era o câncer do solo e das águas, e as políticas públicas voltaram a jogar por debaixo dos panos o que antes era reverenciado como grande atividade econômica, a maioria dos trabalhadores tiveram que se adaptar.
E daí nasceu o turismo local.
Os pais de um dos guias na minha viagem, inclusive, era um garimpeiro.
Enfim.
Tudo isso não foi pra revelar algum segredo obscuro da cidade alá Omelas1 ou qualquer polemicisse do gênero. Na verdade, quanto mais conhecemos as raízes de um local mais nos tornamos capazes de preservá-las. Muitos Manauaras passam na Av. Mário Ypiranga sem saber quem foi o cara. E por isso insistimos em chamá-la daquele outro Estado no qual nunca nem pisamos (pelo menos eu, não).
Sem querer digredir muito agora, sério. Esse é o sol visto de Tepequém:
Óbvio que essa foto não faz jus a real visão do que é estar lá. Mas se você, afortunado leitor, for um bom observador, terá uma ideia mental dos ventos cortantes, do cheiro de mato e dos mosquitos em pernas desnudas que essa foto exala. Você terá um vislumbre do que é estar longe da cidade, sobre um pico desses como na imagem, não muito elevado, olhando para a única luz do sol que incide em nossas cabeças desde o início da vida humana na terra.
E eu me lembro que…
Interessa pouquíssimo os dizeres cardeais quando a vista do horizonte me lança,
pelo reflexo do céu na serra,
à imagem irreconciliável do ser
e do pensamento.
É entre o verde azul da grama e o amarelo vermelho do céu
que o horizonte nasce,
como uma linha reta para os sentidos
e turva ao sentido da existência.
Pois tudo que essa visão em mim aflinge desvia
do sentimento de inércia, solitude, e da fraqueza,
e então percebo na matéria meu corpo se preenchendo de compaixão.
Ao momento, ao ambiente, e as formas-pensamento que invadem cada olhar
entrelaçados no abismo de nossa surpresa.
… algumas pessoas choraram ao chegar no topo da grande serra, no momento em que o sol nascia.
Eu por sorte, depois de umas três horas de trilha, cheguei um pouco depois.
Lá em cima eu estava leve.
De tão leve, me pus a deitar.
https://learning.hccs.edu/faculty/emily.klotz/engl1302-6/readings/the-ones-who-walk-away-from-omelas-ursula-le-guin/view